segunda-feira, 25 de março de 2013


Croniqueta Surreal (I)


A grande sister

O nome dela era Zuleide.
Conhecer pessoalmente não conheci, mas parece-me íntima de tanto que ouvi falar da dita. Não sei nem se não havia algum exagero...
Fato é que a história de Zuleide tanto me arrebatou que não pude furtar-me de compartilhá-la.
Zuleide era uma menina de bairro de cidade do interior, simplória e não era lá um “poço de inteligência” sendo que seu raciocínio brando ditava suas ações sem grandes surpresas.
Ingênua e sem criatividade, a Zul, como era chamada, era tranquila, trabalhadora e religiosa.
Trabalhava como recepcionista de um dentista, e não conseguia emprego melhor e nem almejava, porque mal deu conta de terminar o ensino médio. Todavia era bonitinha e se comunicava com educação, sendo, portanto, mais que eficiente na função que laborava. Achava-se importante, afinal era secretária do doutor Roque. Muito chique.
         Trabalhava com o dentista há quase três anos. Os clientes gostavam dela e a maioria, já antiga, havia se acostumado com a deficiência de argúcia da moça. Ruinzinha para entender uma piada...
Não, não era mal humorada. Pelo contrário! Só não tinha perspicácia ou senso de humor. Para ela, uma pedra era só uma pedra. Uma mulher sem poesia, diria Adélia Prado.
Zuleide tinha 22 anos e já tinha tido dois namorados, perdendo a virgindade recentemente com o segundo, o Genivaldo.
Era religiosa, mas não era santa, certo? Uma moça como qualquer outra que não pensou muito quando se apaixonou de verdade. Na verdade, pensou é que o “Gê” ia se casar com ela.
Era evangélica e quando Genivaldo a abandonou depois de ter “abusado” dela, aferrou-se ainda mais na sua fé e na sua igreja. Têm uns oito meses o ocorrido.
A moça sofreu mas não morreu. Ainda dava suas voltinhas e cometia seus pecadilhos, tipo um beijinho aqui, uma mãozinha acolá, mas não namorou sério mais ninguém. Outra de suas pequenas iniquidades era assistir alguns programas de TV que o pastor abominava, tais como novelas e o “Big Brother”.
Mas a Zul tinha um bom pretexto para si mesma A desculpa é que precisava se informar para ter assunto no trabalho com os clientes do doutor. Fazia parte de suas funções entreter os clientes enquanto aguardavam ser atendidos.
A verdade verdadeira era que a Zuleide gostava muito das novelas e adorava o tal do “Big Brother”.  O término de cada edição era como perder a família inteira. Nem o abandono do Genivaldo, “aquele canalha” doía tanto.
Assistia ao programa religiosamente desde a terceira edição. Esperava todo ano.
Secretamente, era apaixonada pelo Pedro Bial, apesar de não compreender metade do que ele falava. Durante o programa, torcia, irritava-se, sofria com os participantes e muitas vezes telefonou para eliminar este ou aquele “falso e manipulador”.
Um dia, na Igreja, o pastor fez uma comparação, dizendo que nossa vida era como no Big Brother e que éramos vigiados pelas câmeras do Senhor cada segundo de nossas existências. Os anjos viam cada mau passo nosso, e seria eliminado (iria para o inferno), aquele que não vivesse conforme os mandamentos de Deus.
Obviamente que Zuleide não compreendeu a metáfora. Ingênua, levou a comparação ao pé da letra.
Agora entendera porque Genivaldo havia sido eliminado. Os anjos tinham tirado aquele homem de sua vida, pois ‘ele a seduzira sem escrúpulos e a abandonara’. E ela agora amargava um paredão por ter cedido às tentações.
Tudo ficou muito claro!
Sentiu-se obrigada a provar aos anjos do Senhor que tinha se emendado e suplicar uma nova chance para que não a eliminassem. Não queria ir para o inferno. Orou muito.
A partir desse dia de ‘compreensão’, Zuleide começou realmente a jogar.
Queria ganhar o ‘milhão e meio’ que na certa era um bom casamento, um amor eterno. O Paraíso na Terra.
Comparava Bial com o pastor de sua igreja.
Será que ela pensava que Deus era o Boninho?
Na verdade, a mente de Zuleide não elaborava um raciocínio muito lógico sobre o assunto. Era mais uma reação instintiva, uma espécie de “insight” que norteava suas ações.
Sabia que em cada canto de sua casa, de seu trabalho, no ônibus, nas ruas, havia câmeras observando. Invisíveis, claro, já que eram divinas.
Passou a pensar muito antes de esboçar qualquer frase, com medo de magoar ou ser mal interpretada pelo público, quer dizer, pelos anjos. Tornou-se mais comedida, mais simpática, mais educada e sorria o tempo todo.
A mãe de Zuleide, Dª Zulmira, filha da antiga faxineira da escola, Dª Cleide, percebeu que a filha só se trocava no escuro, ou embaixo das cobertas, já acordava praticamente maquiada. Parecia representando um personagem de princesa de Walt Disney.
Dona Zulmira, que era simples, mas contrário da filha, muito esperta, observava encafifada o que estava acontecendo. Tentava arrancar alguma informação da criatura que pudesse elucidar tais atitudes pudorentas. Só recebia de volta um sorriso enigmático e carinhoso da menina dizendo que tudo estava bem.
Possessão! Só pode ser isso, concluiu a mãe. A filha estava possuída por um demônio!
Se fosse o caso, até que era um demônio por demais de bonzinho, já que a garota estava muito melhor, se comportando bem, se cuidando, tratando bem ao próximo, trabalhando direitinho e sem atrasos, indo à Igreja e não dava nenhum trabalho. Uma belezinha de pessoa!
Astuta que era, Dª Zulmira decidiu não comentar nada com o pastor da Igreja. Nada de exorcizar esse anjinho de demônio. Assim estava tudo muito melhor.
Até Genivaldo, quando reencontrou Zuleide se espantou com a aparência e atitudes da moça. Tentou até se reaproximar, mas ela percebeu a ‘manobra da emissora’. Satanás queria ibope e não seria ela quem daria...
Resumindo a história, a Zuleide está atualmente saindo com um rapaz da Igreja, muito respeitoso e trabalhador que está encantado com a doçura e a delicadeza da moça.
Parece que a estratégia está dando certo e Zul está conseguindo se manter no jogo e prestes a ganhar seu milhão.
Plim plim.


3 comentários:

Wania disse...

Rossana!

Boa, Bem Boa... globalmente falando! :))))

Querida, me desculpe a brincadeirinha, te ler é sempre muuuuito bom.

Bjs

Primeira Pessoa disse...

Noves fora nada... você não sente bisbilhotada? Desde o kleber bambam que já nem coço o nariz em público.

Anônimo disse...

Simplesmente sensacional... prima Paula do Paulo