- Estamos muito atrasadas, filha?
Silêncio sepulcral.
Ainda insisto: - Maria! Estamos atrasadas?
Preciso ir mais depressa? Eu a chamo pelo primeiro nome quando começo a ficar
irritada.
Nada... Não adianta...
Estou falando sozinha de novo! É o que mais
faço nos últimos meses, anos, eu diria.
Estou levando minha filha para um ensaio musical
que, pelo que sei, é de extremo interesse dela, só dela, e não sei ao certo o
horário que ela tem que estar lá e parece que ela não está nem um pouco
preocupada com isso.
Por vezes penso que estou ficando louca e
olho para o lado para verificar se não esqueci a menina em casa. Vai que...
Melhor verificar se tem mais alguém no
carro e que não estou falando realmente sozinha. Não estou, ou melhor, estou.
Ela está ali, mas é a mesma coisa que não estivesse. Ou seja, continuo só.
Muito só...
Duvido que exista no mundo um ser humano
mais solitário que a mãe de um adolescente.
Devíamos nos unir e fundar a União Nacional
das Mães Desprezadas, tipo um grupo de ajuda, entende? Para facilitar a fase
longa e difícil que provavelmente vamos atravessar...
Voltando ao assunto “tentar ser ouvida”, é de
desesperar qualquer mãe, tia, avó... Eles (os filhos) mantêm o tempo todo um
fone de ouvido ligado numa altura que até você ouve. Tenho para mim que não é
só por gostar de música. É a forma mais eficaz que adotaram para evitar nos
ouvir, ou fingir que não estão ouvindo.
Quanto a minha adolescente, tenho certeza
absoluta de que ela vez ou outra finge que não está ouvindo o que estou
falando. Não responde por pura pirraça.
Eu pelo menos, me sinto desamparada, e
claro, tremendamente frustrada com isso. Nem brigar eu consigo!
Que adianta “dar uma dura”, discutir a
relação, fazer um elaborado discurso sobre os malefícios de um fone de ouvido
tão alto, dos benefícios de manter o quarto organizado e de comer melhor, entre
outras coisas tão pertinentes para nós, mães, se a criatura nunca está lhe
ouvindo e que, portanto nem lhe responde?
Como argumentar qualquer coisa com uma planta?
É no que eles se transformam quando estamos a sós com eles.
Nós, mães de adolescentes somos seres
indesejáveis na maior parte do tempo.
Somos apenas toleradas quando estamos a
serviço da cria, sendo motorista, caixa de banco, cozinheiras, fazedoras de
pipoca, esquadrinhadora de coisas desaparecidas pelo quarto deles (sempre
desordenado), médica para os momentos de dor ou mal estar, colo para as crises
e sofrimentos emocionais e ainda “Assessora para Casos Extraordinários”, que
existe para providenciar coisas tais
como uma fita colante de cor azul às 22h00 de domingo.
E por aí vai...
Ruim mesmo é a sensação de inadequação. Olham-nos
como se fôssemos seres bizarros, com poder de vexá-los só pela nossa simples
existência. Uma mãe fazer uma piadinha ou brincadeira na frente de qualquer amigo,
colega, estranho que seja, é quase motivo para fuga de casa ou suicídio.
Tenho cá para mim, que nossos filhos, nessa
idade entre doze e dezoito anos gostariam nos arquivar numa prateleira, de
preferência no botão de “desligado” se tivéssemos um, e de lá só sairíamos para
solucionar o que eles não conseguem resolver sozinhos, e de preferência de boca
calada e voltarmos imediatamente ao problema resolvido.
Claro que isso não acontece o tempo todo.
Vez por outra eles vêm com aquela carinha
de quem ainda não sabe se quer crescer, atrás de um afago desinteressado.
É nessa hora que a gente mata a saudade um
pouquinho das nossas criancinhas que foram abduzidas por aqueles corpos que
crescem sem parar e nos olham com tanto repreensão.
Eu tento relembrar se eu fui assim com
minha mãe, o que duvido, pois ela não sabia dirigir, eu não tinha fones de
ouvidos e, caso eu me atrevesse contrariar alguma ordem, não... eu não ousaria...
Seus puxões de orelhas eram literais e
dolorosos.
Vai ver, eu devia ter aprendido mais com
ela.