Eu tenho uma
amiga muito especial.
Apesar de
sarcástica e notadamente perversa, incoerentemente é uma ótima e querida amiga.
Na
impossibilidade de citar-lhe o nome verdadeiro, vou chamá-la de Lóca, alcunha
que lhe presenteei para não chamá-la acintosamente de “louca”, que é o que
penso que ela seja. Surpreendentemente ela gostou.
Deixo claro,
que Lóca não é uma personagem criada por mim, tampouco é meu alter ego.
É uma mulher de
carne e osso e uma boca mais que faladeira.
Lóca é muito,
muito incorreta, para ser o mais delicada possível, em todas as vertentes
imagináveis do comportamento social humano.
Ela seria
execrável para mim, se eu não a amasse tanto.
Na verdade, a
despeito da amá-la, ela é execrável mesmo assim.
Acho que ela seria
pior se não fosse tão divertida. Tendência ao deboche é um ótimo atributo em
casos assim.
No caso da Lóca,
com sua carência de predicados, é o que a salva. Aliás, faz dela uma pessoa até
interessante.
Ainda não achei
uma boa explicação para gostar tanto dela. A gente definitivamente não manda no
coração.
Então eu a
aceito como ela é, pois já desisti de tentar trazer um pouco de bom senso a
esse protótipo de vilã de novela.
Lóca é
especialista em frases terríveis e consegue cometer todos os preconceitos e
desconstruir todas as considerações elaboradas conforme a ética e a moral humana.
Também, nunca
sei quando ela está falando sério.
Só para começar
a expor uma leve nuance de sua “meiga” personalidade, ela odeia animais.
Não é bem que
odeia de querer fazer maldades. Só detesta e acha que animais deveriam viver bem
longe dela.
Pelo bem deles,
eu também acho...
Ela não maltrata,
mas se pudesse levaria todos “de volta à floresta
de onde nunca deveriam ter saído, principalmente os cachorrinhos chatinhos e
gatinhos fofinhos”.
Explico pacientemente
que cachorros e gatos não são animais silvestres nem selvagens. São animais domesticados
pelo homem e que têm que conviver e morar com eles.
Ela se irrita: - Lugar de bicho não é dentro de casa! Odeio
esse povo ”cachorrento”, que deixa o bicho subir na cama, sentar no sofá e a
gente tem que fingir que não se importa. Tenha dó! O bicho nem usa papel
higiênico. Que nojo...
Pensando bem...
Quando dirige, todas
as aberrações cometidas no trânsito não chegam nem perto das atrocidades
cometidas pela sua língua ferina.
Implacável!
Fala direto e em alto e bom tom na cara do provável culpado.
Morro de
vergonha e evito pegar carona com ela para me poupar de tantos constrangimentos,
e sinto certo temor pela sua segurança, ou na melhor das hipóteses temo que ela
seja presa por racismo, constrangimento público, danos emocionais, o que é
melhor que uns sopapos...
- Ô navalha! Só podia ser velho e decrépito!
– Olha lá, homens de chapéu dirigem que nem
caipira. Vai dirigir carro de boi, imbecil!
- Não aprendeu a dar seta, loira burra?
- Abre o olho japonês! Não está me vendo não?
- Eu sabia! Só podia ser preto!
- Eu sabia! Só podia ser mulher! (como se ela não
fosse uma).
- Cuidado aí seu “viadinho”!!!
- Abaixa o som, seus “funkeiros” do c... !!!!
- Sai da frente, sua gorda! (Ela também é.)
Ai ai ai meu deusinho
do céu!!! Quero ficar invisível!
Mas espere! Não
acabou ainda!
Não satisfeita com todos esses “atributos”
que lhe pesam contra, ela ainda é fumante e totalmente revoltada com as
proibições legais de se fumar em lugares fechados ou públicos.
- Que
saco ter que sair de um lugar só para fumar um cigarrinho de nada. Coisa mais
ridícula! Fumaça de carro e de chaminés faz muito mais estrago que esse meu modesto
cigarrinho.
Diga-se de
passagem, que o modesto não é um só. São dezenas por dia.
Também é contra
a lei seca e diz sem nenhuma consternação que dirige muito melhor quando está “meio
bêbada”: - Fico mais solta, sabe? Minha
destreza só melhora.
Só ela acha...
Mas seu pior
defeito, se é que é possível algo pior, é sua birra com as vagas de estacionamento
para deficientes e idosos. Não acha lógica de jeito nenhum.
- Tem tanta vaga de idosos e deficientes nos
shoppings e supermercados que não sobra mais vaga para a gente parar o carro.
Isso já virou abuso de autoridade.
E não adianta
argumentar com ela e tentar chamá-la à razão. Não tem conversa.
- É lei desses deputadinhos que não tem o que fazer
e inventam moda para ficarem populares e a gente que se ferra. Se todos os deficientes
e idosos “esperados” vierem ao shopping de uma vez, não haverá lugar para gente
normal.
Normal! Ela
disse “gente normal”. Minha Nossa Senhora dos Perdões!
Não contente com
tantos absurdos ainda complementa: - Deviam
fazer shoppings separados para velhos e deficientes e outros para nós (os
normais?)... Pelo menos evitaríamos esses
inconvenientes.
Sincera ela é,
não resta dúvida. Corajosa também. E totalmente sem noção...
Eu me sinto
sempre chegando ao ponto de quase desastre, que está sempre iminente em se tratando
dela.
Só não acontece
o pior, por que acho que as pessoas sublimam ao perceber que provavelmente ela
não “bate bem da cachola”, coisa que ela se aproveita para falar o que bem
entende.
Sua última “pérola”
ela confessou no réveillon. - Nosso
Prefeito (da cidade onde ela mora)
vai assumir amanhã. Nosso não, do bando de nordestinos, e acho melhor eu me calar
porque atualmente não se tem mais liberdade de expressão. Ninguém mais pode
falar o que pensa! Rá!
O pior, é que
eu sei bem o que ela pensa.
O melhor, é que
parece que ela está criando algum juízo.