Pensei em escrever um conto de natal ou crônica terna, abarrotada de angélicas parábolas e metáforas, a comemorar o nascimento de Jesus, afinal, motivo da celebração.
Pensei, desejei, mas não consegui.
Em tempos natalinos eu fico é muito aflita, e a última coisa que consigo lembrar é do aniversariante. Carrego no peito uma urgência que não se explica, além de uma melancolia que só é suplantada pela ansiedade causada pela necessidade de encontrar o presente certo para cada pessoa.
As propagandas de todos os meios de comunicação conhecidos e reinventados nos levam a essa angústia. Juntam-se a isso, lojas sempre entupidas de gente, filas imensas, vendedores estressados, estacionamentos de shoppings e supermercados insuportavelmente lotados, cujas poucas vagas sobrando destinam-se aos idosos e portadores de deficiência, que nem dão as caras nessas datas.
Confesso que me deixo tomar pelo sentimento insano do consumismo desmedido, mais por hábito familiar do que por vontade própria.
Desde que eu era pequena (após a fase de acreditar em Papai Noel), costumávamos (meus pais e irmãos) trocar presentinhos no natal.
Mas vejam bem, a família cresceu e hoje somamos sobrinhos, cunhados, compadres e comadres, agregados e amigos; e o que antes era uma brincadeira carinhosa, virou hoje um exercício tumultuado de paciência e adivinhação.
É muito complicado comprar o presente certo, que agrade o presenteado e caiba no orçamento, sobretudo levando-se em conta a quantidade de gente e o tumulto da época. Um verdadeiro desafio que apesar de tudo, consegui dar cabo sem muitos transtornos! Mas decidi que no próximo ano vou começar fazer compras de Natal em maio.
Na véspera do natal, com os presentes devidamente embrulhados e etiquetados, lá fui eu cuidar da vida e da ceia de Natal.
“Cuidar” é modo de dizer, já que tenho pouco talento para as artes culinárias. Entretanto, me arrisquei a fazer umas sobremesas, e solicitei o auxílio de uma ajudante para o resto, e pude enfim me dedicar às coisas que realmente importam (para mim): Fui aprender a dobrar guardanapos de pano pela internet, decorar mesa, entre outras atividades pouco práticas. Aliás, isso é a minha cara.
Meu negócio é a poesia da coisa, entendem?
Fiz a conta dos convidados e organizei duas mesas para a ceia. Uma para crianças e adolescentes dentro de casa, e outra para os adultos, na varanda coberta do quintal, onde fica a churrasqueira.
Tudo “nos trinques”.
Decorei ambas com esmero. Uma belezinha!
Idealizei um jantar tranquilo, precedido de uma oração de agradecimento, adultos lá fora e crianças lá dentro, todos convivendo pacificamente, etc., etc. ...
Rá! Quem disse que planejamento funciona, não conhecia minha família nem as intempéries da natureza.
Para começar, caiu um toró! Desabou o mundo, bem na hora em que os convidados começavam a chegar.
Era o dilúvio, e minha casa mais parecia a arca recebendo os filhos de Noé para a noite do Noel! (Essa doeu)!
Raios, trovoadas e água, muita água! Os convidados entravam encharcados e com os sapatos molhados. Um corre-corre, um pega-pega de toalha e tapetes...
Todo mundo reunido dentro da casa. Na verdade, na cozinha. Uma verdadeira algazarra. Cerca de quinze pessoas acuadas e famintas em volta de uma mesa disposta para seis crianças.
O pior? A comida estava no bufê lá de fora. As bebidas também...
Detalhe? Na minha família de descendentes de italianos, ninguém sabe conversar baixo. Juntando isso com o barulho da chuva torrencial, os decibéis ultrapassavam fácil o limite saudável para os ouvidos.
Ninguém se arriscava a ir lá fora. Não me surpreende...
Restava esperar e foi o que fizemos, com meu humor já um tanto abalado. E eu mal sabia que podia piorar.
Quando enfim a chuva melhorou (ainda bem), saímos para a varanda onde servi as bebidas e tira-gostos para os convidados que misteriosamente evitavam se sentar à mesa que arrumei tão cuidadosamente. Puxaram as cadeiras e fizeram uma roda em volta de nada, até que eu (a chata), coloquei todo mundo (a contragosto) de volta. Nada de informalidades hoje. Estão querendo me irritar?
Ora! Planejei tudo tão direitinho...
Eu não sou controladora, eles é que são rebeldes.
Algumas crianças se desentenderam e quiseram comer com os pais na varanda, mas como os lugares eram contados, teve gente que comeu com prato no colo.
Ai ai ai... Parecia que o menino Jesus e o presépio inteiro estavam de gozação comigo. Com certeza para me provar que ninguém tem controle de nada nesse mundo.
Ainda tem mais, meu irmão que tem uma filha de seis anos (que ainda acredita em Papai Noel), estava mais aflito que a criança decidida a flagrar o bom velhinho no exercício de seu ofício, ficando de plantão na boca da chaminé da lareira da sala.
Pois é, eu tenho uma lareira na sala. Já estava na casa quando compramos e confesso que na única tentativa de usá-la num remoto inverno, quase morremos todos intoxicados com a fumaça. Não funciona direito, mas pelo menos dessa vez o trambolho ia ter serventia.
Voltando ao meu irmão, este queria manter a fantasia da pequena por mais um ano, e tentava achar uma solução para driblar a vigilante garotinha e o único recurso encontrado, foi Papai Noel enganar todo mundo e “descer” pela chaminé da churrasqueira, enquanto a criaturinha se mantinha de sentinela na lareira da sala. Pode?
Pensando bem, que coisa estúpida essa história de chaminé (nem São Google explica direito), tanto quanto essa nossa imitação de natal invernal, num país onde a data cai em pleno verão, estação de sol e calor.
Nosso Papai Noel devia era usar camiseta regata e bermudas, sem barba de preferência. Com boné e protetor solar 60. Deixa São Nicolau, para os alemães, com sua roupa vermelha e quente, criada pelo cartunista Thomas Nast, e consumada pela Coca Cola.
Nossa árvore de Natal deveria ser um coqueiro cheio de “cocos” coloridos. Muito mais a ver com nosso clima, que o pinheiro usado como árvore de natal por Lutero, segundo contam por aí!
Na hora dos presentes, eu tentei organizar (juro), mas ficou impossível controlar a turba enfurecida rasgando caixas e embrulhos. O resultado é que mesmo com os cartões, ninguém sabe quem deu o quê para quem.
E apesar de tudo ter saído meio bagunçado, os abraços foram sinceros e os desejos de felicidades, cheios de amor.
Sobrevivi a mais um Natal, e sou grata que seja só uma vez por ano.