sexta-feira, 17 de agosto de 2018

O gosto de ser gostado




            Numa dessas noites, eu quase dormindo, chega minha filha da faculdade e me confessa assim de supetão: - Sou pouco sociável, mãe!
        Como assim? Ela é linda, fofa, inteligente, e... Calma mãe... Menos...
            Refreio meu lado coruja louca e deixo que continue:
            - Não é que eu não queira me socializar, é que o empenho não vale a pena. Não sou do tipo gostável e teria que me esforçar muito para que gostassem de mim, e não sei se quero ter que fingir.
            É duro ver um filho sofrer por não ser aceito facilmente pelos grupos. Já quero logo dizer que “eles” é que são estúpidos, ignorantes, etc., etc., mas me contenho.
            Reflito melhor sobre o assunto e reconheço que minha menina tem toda razão! Não em reconhecer-se “não gostável”, mas em não querer forçar a barra para isso acontecer.
            Já incorri muito nesse erro.
            Não exatamente em “fingir”, mas em tentar mudar quem sou para ser aceita. Grande parte da minha vida eu fiz muita questão em agradar as pessoas.
            Que tolice...
            Demorei uma existência para saber o que minha filha já percebeu aos vinte anos. Nunca vamos agradar a todos. Nem que nos esforcemos muito e nos forcemos a ser quem não somos.
            Vale a pena?
            Hoje percebo que não!
            Até porque, não há muito que fazer, quando alguém não gosta de você. É uma questão de energia. Mesmo que se empenhe, ajude, ampare e se desdobre, é muito custoso transformar um sentimento.
            Até pode acontecer, mas minha experiência me mostrou que é muito incomum. Fui aprendendo com o tempo e com meus próprios sentimentos de rejeição para com outros que nunca me fizeram mal.
            Quantas vezes ajuizei uma pessoa pelo que ela aparentava ou por que se semelhava com alguém desagradável, a voz me lembrava de alguém irritante, ou tinha os trejeitos de um indivíduo perverso que conheci lá atrás...
            Por vezes rejeitei pessoas por puro instinto, ou intuição. Chamem como quiserem.
            Fica muito difícil gostar de alguém nessas circunstâncias. Requer esforço e trabalho íntimo árduo, e acreditem que eu sou dessas que tenta suplantar sentimentos de rejeição e ver o melhor das pessoas. Uma Pollyanna incorrigível...  
            Assim, isso também acontece com os outros em relação a nós. E nem todos tem disposição de tentar gostar, compreender e tentar enxergar nossas qualidades.
            Somos julgados muitas vezes por sermos antipáticos ou por excesso de simpatia, por falarmos pouco ou muito, pela voz estridente, pela cara que temos, pela roupa que usamos, pelas nossas preferências de toda ordem...
            Somos julgados o tempo todo e fazemos o mesmo, às vezes inconscientemente.
            Em compensação, uma coisa muito extraordinária pode ocorrer.
            Quantas vezes conhecemos alguém que nos desperta afeição de pronto, e amamos assim do nada? É uma experiência sensacional que compensa tudo o que registrei acima. É o encontro de almas afins, que compartilham bem querer e afeto sem muita explicação.
            É certo que as relações humanas são mais profundas que o simplório “gostar” ou “não gostar” de alguém, entretanto, é um ponto de vista muito relevante.
            Enfim, essa precisão de ser aceito e amado é um sentimento muito humano, no pior sentido em ser humano, pois tem muito a ver com vaidade e pretensão de se achar merecedor.
            Por que queremos tanto ser amado?
            O que acontece com nosso coração ao receber afeto, e  que benefícios isso nos traz além da terna alegria dessa bem querência?
            Não tenho a resposta. Entretanto desconfio que tudo se trate de poder.
            O carinho, o amor, o afeto, a admiração, todos esses sentimentos carregados de energias positivas, direcionados a nós aumenta nossa autoestima que nada mais é que uma satisfação com a própria identidade, mas penso que tem mais a ver com a necessidade de atendimento de todas as vontades. Isso é necessidade de poder...
            Mas voltando à minha filha, que é quem suscitou toda essa reflexão da minha parte, tenho a convicção de que ela está certa, e não vale a pena tentar ser gostada a força.
            Não vale a pena desistir da dignidade por qualquer deleite, porque o bem estar em ser autêntico é o maior dos prazeres.
            Não vale a pena transformar-se em uma pessoa que não é por coisa nenhuma.
            Isso serve para todos nós.
            O importante é sermos espontâneos sem perdermos a educação. Podemos ser genuínos e ainda assim sermos gentis, só não devemos mudar nossa essência para agradar outros, porque podemos nos perder nesse caminho e esquecer quem somos.
            Isto posto, compartilho aqui a conclusão das minhas ponderações: É possível continuar vivendo sem agradar todo mundo.
            É possível sobreviver à rejeição.
            Hoje, continuo tentando aceitar o outro, mas não faço mais questão de aquiescência ou amor, apesar disso me fazer um bem enorme.
            Só não é possível para ninguém viver sem respeito e isso eu pratico e exijo e sempre ensinei minha filha a fazer o mesmo.