Eram quatro idosas.
Cultas,
bem-humoradas e cheias de disposição quando se encontravam.
O adjetivo
“velhas” certamente não lhes cabia, pela disposição e vigor dessas garotas anosas.
Decidi então me
referir a elas como “senhorinhas”. Mais carinhoso e meio fofo, como elas.
As idades variavam
dos setenta e muitos aos oitenta e poucos, mas cheias de entusiasmo e
vivacidade. Muito mais que eu, confesso encabulada.
Conjecturo se fazem parte de alguma seita obscura
que detém a receita de alguma droga secreta, talvez alguma vitamina poderosa e desconhecida
do resto da humanidade. Contudo, como são frequentadoras assíduas de missas, descarto a hipótese.
Mas, vai ter
disposição assim no jardim da infância, gente!
São amigas e muito
companheiras nas dificuldades em comum, se apoiam, se amparam, mas brigam. E como
brigam! O tempo todo. E fuxicam também, e riem juntas... E falam sem parar, as tagarelas.
Elas passeiam,
viajam e sabem se divertir mais que muito adolescente por aí, apesar dos
inconvenientes da “melhor” idade.
Olha eu aqui me
estendendo nas preliminares. Sempre digo que sou prolixa.
Mas vamos aos
fatos em si. Verídicos, creiam-me.
Ocorria uma feira de artigos indianos num shopping da cidade e logico que as “andejas” já tinham tudo
combinado para visitar a tal feira. Não perdiam nenhuma novidade.
Sairiam onze horas
no domingo.
Das quatro, só uma
delas ainda podia, sabia ou conseguia dirigir um automóvel. Esta recolheria as amigas
no apartamento de uma delas, que ficava num ponto conveniente para todas, almoçariam
no shopping e iriam direto para a tal feira.
Esse era o plano e
elas estavam num entusiasmo só.
Chegou domingo e
antes das onze horas, três delas já estavam reunidas na portaria do prédio esperando
a “Jarbas” da turma enquanto confabulavam sobre inúmeros assuntos ao mesmo
tempo.
E por falar em tempo,
esse foi passando e nada.... Deu onze horas, onze e meia, meio-dia....
Começaram a se
preocupar e especular coisas sobre a atrasada. No mínimo esqueceu das amigas,
ou saiu na noite anterior e não acordou, ou quem sabe recebeu visitas de
familiares e nem para avisar, a mal-educada....
Telefonaram, mandaram WhatsApp, afinal eram
conectadas (mais ou menos), mas não houve resposta.
Ficaram fulas da
vida e depois de um acalorado debate, defesas, ataques e votações, decidiram
que iriam assim mesmo, sem a amiga negligente.
Restava agora
decidir se chamavam um taxi ou um Uber.
Amavam a
democracia e elegeram unanimemente um taxi. Mais convencional e seguro, especularam.
Chegaram então ao
shopping e assim deu início a uma verdadeira saga das senhorinhas.
Como já estavam
famintas pelo atraso, resolveram almoçar antes de ir à feira.
Primeiro tinham que
encontrar uma mesa na praça de alimentação de um shopping lotado. E obviamente,
cada uma gostava de um tipo de comida e tinha seu quiosque preferido, o que já causou um certo transtorno.
Enquanto uma ficava
de vigília e de mau humor, as outras iam buscar seu prato predileto, cada
qual num lugar e com tempo de atendimento diferente.
Verdadeiro
aborrecimento. Quando uma chegava com o prato quentinho, outra ainda não tinha chegado e a outra levantava para
buscar o seu.... Improvável qualquer possibilidade de comerem juntas.
Sintetizando,
quando a última terminava seu prato diante da impaciência das outras, receberam
uma ligação do filho da amiga atrasada. A criatura tinha batido o carro mais
cedo, mas estava bem.
Bateu sozinha num
poste ao calcular mal uma curva e já estava em casa, apenas atontada. Contrição
geral entre as senhorinhas que excitadas com o acontecido levantaram-se e se
dirigiram finalmente à tal feira, só para não perder a viagem.
Chegando ao local,
esqueceram rapidamente da acidentada, tal a agitação. Uma foi para um lado tagarelando
e admirando uma bata ali, outra extasiada com uma estátua de Ganesha acolá...
Era enfim uma infinidade de peças entre incensos, joias, roupas, estátuas de deuses,
etc.
Não é que no meio
de tanto furdunço, uma das senhorinhas, a mais velha, começou a passar mal, com sintomas que assemelhavam um acidente vascular cerebral? Um susto, mas a possibilidade foi
descartada. Contudo, houve uma correria no local e lá se foi uma delas abandonando o shopping de ambulância e deixando para trás duas amigas completamente
aturdidas.
Estas não sabiam nem mais
o que fazer até que a mais corpulenta percebeu que na confusão tinha torcido o
pé no afã de ajudar a doentinha, e mal conseguia firmar o tal no chão. Começou
a mancar e gemer.
Já a outra, depois
de tantas emoções começou a ter dores de cabeça e a pressão aumentou
consideravelmente conforme foi constatado depois no ambulatório do shopping
para onde foram conduzidas por passantes e seguranças. Tempos depois, devidamente tratadas foram liberadas
para casa, sendo conduzidas em cadeira de rodas até um ponto de taxi. Fenomenal!
Estão todas bem e cheias de assunto para muitos encontros, mas foi certamente um dia conturbado e eu diria
mesmo, azarado.
Na animação da feira
que continuava, uma estátua de Shiva, de olhos semiabertos, parecia sorrir perversamente mirando um caos
infinito e inatingível.