sexta-feira, 28 de abril de 2017

Aventuras e desventuras da terceira idade


Eram quatro idosas.
Cultas, bem-humoradas e cheias de disposição quando se encontravam.
O adjetivo “velhas” certamente não lhes cabia, pela disposição e vigor dessas garotas anosas.
Decidi então me referir a elas como “senhorinhas”. Mais carinhoso e meio fofo, como elas.
As idades variavam dos setenta e muitos aos oitenta e poucos, mas cheias de entusiasmo e vivacidade. Muito mais que eu, confesso encabulada.
 Conjecturo se fazem parte de alguma seita obscura que detém a receita de alguma droga secreta, talvez alguma vitamina poderosa e desconhecida do resto da humanidade. Contudo, como são frequentadoras assíduas de missas, descarto a hipótese.
Mas, vai ter disposição assim no jardim da infância, gente!
São amigas e muito companheiras nas dificuldades em comum, se apoiam, se amparam, mas brigam. E como brigam! O tempo todo. E fuxicam também, e riem juntas... E falam sem parar, as tagarelas.
Elas passeiam, viajam e sabem se divertir mais que muito adolescente por aí, apesar dos inconvenientes da “melhor” idade.
Olha eu aqui me estendendo nas preliminares. Sempre digo que sou prolixa.
Mas vamos aos fatos em si. Verídicos, creiam-me.
Ocorria uma feira de artigos indianos num shopping da cidade e logico que as “andejas” já tinham tudo combinado para visitar a tal feira. Não perdiam nenhuma novidade.
Sairiam onze horas no domingo.
Das quatro, só uma delas ainda podia, sabia ou conseguia dirigir um automóvel. Esta recolheria as amigas no apartamento de uma delas, que ficava num ponto conveniente para todas, almoçariam no shopping e iriam direto para a tal feira.
Esse era o plano e elas estavam num entusiasmo só.
Chegou domingo e antes das onze horas, três delas já estavam reunidas na portaria do prédio esperando a “Jarbas” da turma enquanto confabulavam sobre inúmeros assuntos ao mesmo tempo.
E por falar em tempo, esse foi passando e nada.... Deu onze horas, onze e meia, meio-dia....
Começaram a se preocupar e especular coisas sobre a atrasada. No mínimo esqueceu das amigas, ou saiu na noite anterior e não acordou, ou quem sabe recebeu visitas de familiares e nem para avisar, a mal-educada....
 Telefonaram, mandaram WhatsApp, afinal eram conectadas (mais ou menos), mas não houve resposta.
Ficaram fulas da vida e depois de um acalorado debate, defesas, ataques e votações, decidiram que iriam assim mesmo, sem a amiga negligente.
Restava agora decidir se chamavam um taxi ou um Uber.
Amavam a democracia e elegeram unanimemente um taxi. Mais convencional e seguro, especularam.
Chegaram então ao shopping e assim deu início a uma verdadeira saga das senhorinhas.
Como já estavam famintas pelo atraso, resolveram almoçar antes de ir à feira.
Primeiro tinham que encontrar uma mesa na praça de alimentação de um shopping lotado. E obviamente, cada uma gostava de um tipo de comida e tinha seu quiosque preferido, o que já causou um certo transtorno.
Enquanto uma ficava de vigília e de mau humor, as outras iam buscar seu prato predileto, cada qual num lugar e com tempo de atendimento diferente.
Verdadeiro aborrecimento. Quando uma chegava com o prato quentinho, outra ainda não tinha chegado e a outra levantava para buscar o seu.... Improvável qualquer possibilidade de comerem juntas.
Sintetizando, quando a última terminava seu prato diante da impaciência das outras, receberam uma ligação do filho da amiga atrasada. A criatura tinha batido o carro mais cedo, mas estava bem.
Bateu sozinha num poste ao calcular mal uma curva e já estava em casa, apenas atontada. Contrição geral entre as senhorinhas que excitadas com o acontecido levantaram-se e se dirigiram finalmente à tal feira, só para não perder a viagem.
Chegando ao local, esqueceram rapidamente da acidentada, tal a agitação. Uma foi para um lado tagarelando e admirando uma bata ali, outra extasiada com uma estátua de Ganesha acolá... Era enfim uma infinidade de peças entre incensos, joias, roupas, estátuas de deuses, etc.
Não é que no meio de tanto furdunço, uma das senhorinhas, a mais velha, começou a passar mal, com sintomas que assemelhavam um acidente vascular cerebral? Um susto, mas a possibilidade foi descartada. Contudo, houve uma correria no local e lá se foi uma delas abandonando o shopping de ambulância e deixando para trás duas amigas completamente aturdidas.
Estas não sabiam nem mais o que fazer até que a mais corpulenta percebeu que na confusão tinha torcido o pé no afã de ajudar a doentinha, e mal conseguia firmar o tal no chão. Começou a mancar e gemer.
Já a outra, depois de tantas emoções começou a ter dores de cabeça e a pressão aumentou consideravelmente conforme foi constatado depois no ambulatório do shopping para onde foram conduzidas por passantes e seguranças. Tempos depois, devidamente tratadas foram liberadas para casa, sendo conduzidas em cadeira de rodas até um ponto de taxi. Fenomenal!
Estão todas bem e cheias de assunto para muitos encontros, mas foi certamente um dia conturbado e eu diria mesmo, azarado.
Na animação da feira que continuava, uma estátua de Shiva, de olhos semiabertos, parecia sorrir perversamente mirando um caos infinito e inatingível.