sábado, 30 de março de 2013

Está demitida!



- Sinto muito Joelma, mas não será possível continuar com você.
- Como assim Dª Rossana?
- É que eu estou com um tremendo 'problemão' sabe? Vai mudar a legislação das empregadas domésticas por conta de uma tal Emenda Constitucional e vai ficar muito complicado manter você conosco.
- Por quê? Eu já estou aqui há três anos... Já sei, foi porque eu quebrei a sopeira de porcelana, e não deu para emendar, né?
- Não Jô, apesar do baita prejuízo, eu entendi que foi um acidente. Isso são águas passadas.
- Então o que foi que eu fiz dessa vez?
- Não foi você que fez querida. Lembra que você viaja toda sexta à noite para passar o fim de semana com sua família em Piracaia?
- Claro, né Dª Rossana? Eu faço isso há três anos, ora.
- Pois é, mas não pode mais.
- Por quê?
- Porque pela nova Lei, você tem que trabalhar aos sábados.
- Mas a Senhora disse que não precisa de mim no sábado...
- Mas a nova Lei disse que eu tenho que precisar. Ah... E você não pode mais morar aqui em casa também, senão eu vou ter que pagar hora extra.
- Mas daí, onde eu vou morar?
- Ué, Joelma, você vai ter que arrumar outro tipo de emprego e com seu salário, alugar um quartinho.
- Mas daí eu vou tenho que pagar aluguel, água luz... Aqui eu não pago nada. O que vai sobrar para eu mandar para minha família em Piracaia?
- Talvez você tenha que voltar para sua cidade e morar com eles.
- Tá brincando! Eu não quero morar lá. Eu sou feliz aqui com a senhora, ‘Seu’ Chico, a menina...
- Pois é, mas não adianta se desesperar. A coisa vai ficar tão feia que se eu precisar que você atenda um telefone depois do seu horário, vou ter que pagar hora extra e adicional por trabalho noturno. Com a nova lei também vou ter que começar a pagar o FGTS que antes era opcional.
- O efe o quê Dª Rossana?
- Fundo de Garantia, Joelma! Eu já pago doze por cento do INSS, décimo terceiro, férias acrescida do terço constitucional, dou descanso semanal remunerado e descansos nos feriados, mas, além disso, eu agora tenho que depositar mais oito por cento além do seu salário para o Fundo de garantia. Não dá para mim!
- Num precisa pagar Fundo nenhum não Dª Rossana! Eu não ligo pra essas besterinhas...
- Também vou ter que pagar salário família e auxílio creche.
- Creche? Nem tenho filhos...
- Vai que arruma... E tem mais, sabe aquela horinha do almoço que eu chego do trabalho correndo e preciso conversar com você enquanto eu como, para organizarmos as tarefas que não dá tempo de falar de manhã?
- Então não sei? A hora do almoço é uma correria só.
- Pois nesse horário especificamente, você vai ‘ter que estar’ no seu horário de almoço, se a emenda virar lei. Se eu falar com você eu vou ter que pagar hora extra porque é sua hora de folga obrigatória.
- Então eu vou ter que almoçar na mesma hora que a senhora, mesmo sem ter fome? A senhora sabe que eu faço uma ‘boquinha’ lá pelas dez...
- Ô se sei, Joelma. Uma “bocona” para sermos mais sinceras.
- Credo Dª Rossana, a senhora nunca foi de regular...
- É que às vezes você exagera né Jô? Come um pão inteiro no meio da manhã com meu queijinho especial, pegas minhas comidinhas de dieta...
- É que eu prefiro, sabe? A comida da senhora é gostosa e engorda menos, mas se a Senhora não gosta, eu como o pão com queijo branco e manteiga mesmo.
- Só rindo... Vou sentir sua falta, minha amiga, mas o fato é que como eu não vou poder arcar com todas essas mudanças, então, não posso manter você aqui conosco. Estou tão chateada quanto você.
- Mas quem foi a ‘bruaca’ que inventou essa tal de emenda? Se eu encontro na rua ela vai ter que emendar a própria cara...
- Não fale assim, Joelma. Ela é uma Senadora da República. Parece que ela até já foi empregada doméstica e deve ter boas intenções. Parece que tais mudanças caracterizam uma conquista da categoria.
- Que categoria o quê! Eu não ‘tô’ conquistando ‘nadica’ de nada, ué... Só perdendo. Além de perder a casa onde eu trabalho, moro, durmo e como de graça; tenho meu quartinho gostoso com minha própria televisão; não pago água nem luz e tenho folga aos sábados e domingos; perco o emprego?
- É que ninguém fez uma lei para melhorar o salário das patroas, Joelma...
- E como a senhora vai fazer nessa casa desse tamanho sem empregada?
- Não sei bem. Acho que vou pedir marmita e contratar uma diarista duas vezes por semana. No resto da semana fica a bagunça mesmo...
- Mas eu não queria ir embora, Dª Rossana... Eu fico aqui até de graça, desde que a senhora me deixe continuar morando no meu quartinho. Não precisa nem me pagar nada. Eu assino qualquer papel que a senhora quiser
- Daí eu seria presa por explorar trabalho escravo, criatura.
Silêncio...
- E corre para arrumar suas coisas, pois você tem que sair dessa casa logo, antes que a tal da Emenda vire Lei e entre em vigor, senão, além de todos os benefícios e aviso prévio que são de praxe, eu vou ter que pagar uma multa por despedi-la sem justa causa, apesar de eu achar que essa tal emenda é causa mais que justa.
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segunda-feira, 25 de março de 2013


Croniqueta Surreal (I)


A grande sister

O nome dela era Zuleide.
Conhecer pessoalmente não conheci, mas parece-me íntima de tanto que ouvi falar da dita. Não sei nem se não havia algum exagero...
Fato é que a história de Zuleide tanto me arrebatou que não pude furtar-me de compartilhá-la.
Zuleide era uma menina de bairro de cidade do interior, simplória e não era lá um “poço de inteligência” sendo que seu raciocínio brando ditava suas ações sem grandes surpresas.
Ingênua e sem criatividade, a Zul, como era chamada, era tranquila, trabalhadora e religiosa.
Trabalhava como recepcionista de um dentista, e não conseguia emprego melhor e nem almejava, porque mal deu conta de terminar o ensino médio. Todavia era bonitinha e se comunicava com educação, sendo, portanto, mais que eficiente na função que laborava. Achava-se importante, afinal era secretária do doutor Roque. Muito chique.
         Trabalhava com o dentista há quase três anos. Os clientes gostavam dela e a maioria, já antiga, havia se acostumado com a deficiência de argúcia da moça. Ruinzinha para entender uma piada...
Não, não era mal humorada. Pelo contrário! Só não tinha perspicácia ou senso de humor. Para ela, uma pedra era só uma pedra. Uma mulher sem poesia, diria Adélia Prado.
Zuleide tinha 22 anos e já tinha tido dois namorados, perdendo a virgindade recentemente com o segundo, o Genivaldo.
Era religiosa, mas não era santa, certo? Uma moça como qualquer outra que não pensou muito quando se apaixonou de verdade. Na verdade, pensou é que o “Gê” ia se casar com ela.
Era evangélica e quando Genivaldo a abandonou depois de ter “abusado” dela, aferrou-se ainda mais na sua fé e na sua igreja. Têm uns oito meses o ocorrido.
A moça sofreu mas não morreu. Ainda dava suas voltinhas e cometia seus pecadilhos, tipo um beijinho aqui, uma mãozinha acolá, mas não namorou sério mais ninguém. Outra de suas pequenas iniquidades era assistir alguns programas de TV que o pastor abominava, tais como novelas e o “Big Brother”.
Mas a Zul tinha um bom pretexto para si mesma A desculpa é que precisava se informar para ter assunto no trabalho com os clientes do doutor. Fazia parte de suas funções entreter os clientes enquanto aguardavam ser atendidos.
A verdade verdadeira era que a Zuleide gostava muito das novelas e adorava o tal do “Big Brother”.  O término de cada edição era como perder a família inteira. Nem o abandono do Genivaldo, “aquele canalha” doía tanto.
Assistia ao programa religiosamente desde a terceira edição. Esperava todo ano.
Secretamente, era apaixonada pelo Pedro Bial, apesar de não compreender metade do que ele falava. Durante o programa, torcia, irritava-se, sofria com os participantes e muitas vezes telefonou para eliminar este ou aquele “falso e manipulador”.
Um dia, na Igreja, o pastor fez uma comparação, dizendo que nossa vida era como no Big Brother e que éramos vigiados pelas câmeras do Senhor cada segundo de nossas existências. Os anjos viam cada mau passo nosso, e seria eliminado (iria para o inferno), aquele que não vivesse conforme os mandamentos de Deus.
Obviamente que Zuleide não compreendeu a metáfora. Ingênua, levou a comparação ao pé da letra.
Agora entendera porque Genivaldo havia sido eliminado. Os anjos tinham tirado aquele homem de sua vida, pois ‘ele a seduzira sem escrúpulos e a abandonara’. E ela agora amargava um paredão por ter cedido às tentações.
Tudo ficou muito claro!
Sentiu-se obrigada a provar aos anjos do Senhor que tinha se emendado e suplicar uma nova chance para que não a eliminassem. Não queria ir para o inferno. Orou muito.
A partir desse dia de ‘compreensão’, Zuleide começou realmente a jogar.
Queria ganhar o ‘milhão e meio’ que na certa era um bom casamento, um amor eterno. O Paraíso na Terra.
Comparava Bial com o pastor de sua igreja.
Será que ela pensava que Deus era o Boninho?
Na verdade, a mente de Zuleide não elaborava um raciocínio muito lógico sobre o assunto. Era mais uma reação instintiva, uma espécie de “insight” que norteava suas ações.
Sabia que em cada canto de sua casa, de seu trabalho, no ônibus, nas ruas, havia câmeras observando. Invisíveis, claro, já que eram divinas.
Passou a pensar muito antes de esboçar qualquer frase, com medo de magoar ou ser mal interpretada pelo público, quer dizer, pelos anjos. Tornou-se mais comedida, mais simpática, mais educada e sorria o tempo todo.
A mãe de Zuleide, Dª Zulmira, filha da antiga faxineira da escola, Dª Cleide, percebeu que a filha só se trocava no escuro, ou embaixo das cobertas, já acordava praticamente maquiada. Parecia representando um personagem de princesa de Walt Disney.
Dona Zulmira, que era simples, mas contrário da filha, muito esperta, observava encafifada o que estava acontecendo. Tentava arrancar alguma informação da criatura que pudesse elucidar tais atitudes pudorentas. Só recebia de volta um sorriso enigmático e carinhoso da menina dizendo que tudo estava bem.
Possessão! Só pode ser isso, concluiu a mãe. A filha estava possuída por um demônio!
Se fosse o caso, até que era um demônio por demais de bonzinho, já que a garota estava muito melhor, se comportando bem, se cuidando, tratando bem ao próximo, trabalhando direitinho e sem atrasos, indo à Igreja e não dava nenhum trabalho. Uma belezinha de pessoa!
Astuta que era, Dª Zulmira decidiu não comentar nada com o pastor da Igreja. Nada de exorcizar esse anjinho de demônio. Assim estava tudo muito melhor.
Até Genivaldo, quando reencontrou Zuleide se espantou com a aparência e atitudes da moça. Tentou até se reaproximar, mas ela percebeu a ‘manobra da emissora’. Satanás queria ibope e não seria ela quem daria...
Resumindo a história, a Zuleide está atualmente saindo com um rapaz da Igreja, muito respeitoso e trabalhador que está encantado com a doçura e a delicadeza da moça.
Parece que a estratégia está dando certo e Zul está conseguindo se manter no jogo e prestes a ganhar seu milhão.
Plim plim.