- Sinto muito Joelma,
mas não será possível continuar com você.
- Como assim Dª
Rossana?
- É que eu estou
com um tremendo 'problemão' sabe? Vai mudar a legislação das empregadas domésticas
por conta de uma tal Emenda Constitucional e vai ficar muito complicado manter
você conosco.
- Por quê? Eu
já estou aqui há três anos... Já sei, foi porque eu quebrei a sopeira de
porcelana, e não deu para emendar, né?
- Não Jô, apesar
do baita prejuízo, eu entendi que foi um acidente. Isso são águas passadas.
- Então o que foi
que eu fiz dessa vez?
- Não foi você
que fez querida. Lembra que você viaja toda sexta à noite para passar o fim de
semana com sua família em Piracaia?
- Claro, né Dª
Rossana? Eu faço isso há três anos, ora.
- Pois é, mas
não pode mais.
- Por quê?
- Porque pela
nova Lei, você tem que trabalhar aos sábados.
- Mas a Senhora
disse que não precisa de mim no sábado...
- Mas a nova Lei
disse que eu tenho que precisar. Ah... E você não pode mais morar aqui em casa
também, senão eu vou ter que pagar hora extra.
- Mas daí, onde
eu vou morar?
- Ué, Joelma, você
vai ter que arrumar outro tipo de emprego e com seu salário, alugar um quartinho.
- Mas daí eu
vou tenho que pagar aluguel, água luz... Aqui eu não pago nada. O que vai
sobrar para eu mandar para minha família em Piracaia?
- Talvez você
tenha que voltar para sua cidade e morar com eles.
- Tá brincando!
Eu não quero morar lá. Eu sou feliz aqui com a senhora, ‘Seu’ Chico, a
menina...
- Pois é, mas não
adianta se desesperar. A coisa vai ficar tão feia que se eu precisar que você
atenda um telefone depois do seu horário, vou ter que pagar hora extra e
adicional por trabalho noturno. Com a nova lei também vou ter que começar a
pagar o FGTS que antes era opcional.
- O efe o quê
Dª Rossana?
- Fundo de Garantia,
Joelma! Eu já pago doze por cento do INSS, décimo terceiro, férias acrescida do
terço constitucional, dou descanso semanal remunerado e descansos nos feriados,
mas, além disso, eu agora tenho que depositar mais oito por cento além do seu
salário para o Fundo de garantia. Não dá para mim!
- Num precisa
pagar Fundo nenhum não Dª Rossana! Eu não ligo pra essas besterinhas...
- Também vou
ter que pagar salário família e auxílio creche.
- Creche? Nem
tenho filhos...
- Vai que
arruma... E tem mais, sabe aquela horinha do almoço que eu chego do trabalho
correndo e preciso conversar com você enquanto eu como, para organizarmos as
tarefas que não dá tempo de falar de manhã?
- Então não
sei? A hora do almoço é uma correria só.
- Pois nesse
horário especificamente, você vai ‘ter que estar’ no seu horário de almoço, se
a emenda virar lei. Se eu falar com você eu vou ter que pagar hora extra porque
é sua hora de folga obrigatória.
- Então eu vou
ter que almoçar na mesma hora que a senhora, mesmo sem ter fome? A senhora sabe
que eu faço uma ‘boquinha’ lá pelas dez...
- Ô se sei, Joelma.
Uma “bocona” para sermos mais sinceras.
- Credo Dª
Rossana, a senhora nunca foi de regular...
- É que às
vezes você exagera né Jô? Come um pão inteiro no meio da manhã com meu
queijinho especial, pegas minhas comidinhas de dieta...
- É que eu
prefiro, sabe? A comida da senhora é gostosa e engorda menos, mas se a Senhora
não gosta, eu como o pão com queijo branco e manteiga mesmo.
- Só rindo... Vou
sentir sua falta, minha amiga, mas o fato é que como eu não vou poder arcar com
todas essas mudanças, então, não posso manter você aqui conosco. Estou tão chateada
quanto você.
- Mas quem foi
a ‘bruaca’ que inventou essa tal de emenda? Se eu encontro na rua ela vai ter
que emendar a própria cara...
- Não fale
assim, Joelma. Ela é uma Senadora da República. Parece que ela até já foi
empregada doméstica e deve ter boas intenções. Parece que tais mudanças
caracterizam uma conquista da categoria.
- Que categoria
o quê! Eu não ‘tô’ conquistando ‘nadica’ de nada, ué... Só perdendo. Além de
perder a casa onde eu trabalho, moro, durmo e como de graça; tenho meu
quartinho gostoso com minha própria televisão; não pago água nem luz e tenho
folga aos sábados e domingos; perco o emprego?
- É que ninguém
fez uma lei para melhorar o salário das patroas, Joelma...
- E como a
senhora vai fazer nessa casa desse tamanho sem empregada?
- Não sei bem.
Acho que vou pedir marmita e contratar uma diarista duas vezes por semana. No
resto da semana fica a bagunça mesmo...
- Mas eu não
queria ir embora, Dª Rossana... Eu fico aqui até de graça, desde que a senhora
me deixe continuar morando no meu quartinho. Não precisa nem me pagar nada. Eu
assino qualquer papel que a senhora quiser
- Daí eu seria
presa por explorar trabalho escravo, criatura.
Silêncio...
- E corre para
arrumar suas coisas, pois você tem que sair dessa casa logo, antes que a tal da
Emenda vire Lei e entre em vigor, senão, além de todos os benefícios e aviso
prévio que são de praxe, eu vou ter que pagar uma multa por despedi-la sem
justa causa, apesar de eu achar que essa tal emenda é causa mais que justa.
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