Croniqueta Surreal (I)
A grande sister
O nome dela era
Zuleide.
Conhecer pessoalmente
não conheci, mas parece-me íntima de tanto que ouvi falar da dita. Não sei nem se não
havia algum exagero...
Fato é que a
história de Zuleide tanto me arrebatou que não pude furtar-me de compartilhá-la.
Zuleide era uma
menina de bairro de cidade do interior, simplória e não era lá um “poço de
inteligência” sendo que seu raciocínio brando ditava suas ações sem grandes
surpresas.
Ingênua e sem
criatividade, a Zul, como era chamada, era tranquila, trabalhadora e religiosa.
Trabalhava como
recepcionista de um dentista, e não conseguia emprego melhor e nem almejava,
porque mal deu conta de terminar o ensino médio. Todavia era bonitinha e se
comunicava com educação, sendo, portanto, mais que eficiente na função que laborava.
Achava-se importante, afinal era secretária do doutor Roque. Muito chique.
Trabalhava
com o dentista há quase três anos. Os clientes gostavam dela e a maioria, já
antiga, havia se acostumado com a deficiência de argúcia da moça. Ruinzinha
para entender uma piada...
Não, não era
mal humorada. Pelo contrário! Só não tinha perspicácia ou senso de humor. Para
ela, uma pedra era só uma pedra. Uma mulher sem poesia, diria Adélia Prado.
Zuleide tinha
22 anos e já tinha tido dois namorados, perdendo a virgindade recentemente com
o segundo, o Genivaldo.
Era religiosa,
mas não era santa, certo? Uma moça como qualquer outra que não pensou muito
quando se apaixonou de verdade. Na verdade, pensou é que o “Gê” ia se casar com
ela.
Era evangélica
e quando Genivaldo a abandonou depois de ter “abusado” dela, aferrou-se ainda
mais na sua fé e na sua igreja. Têm uns oito meses o ocorrido.
A moça sofreu
mas não morreu. Ainda dava suas voltinhas e cometia seus pecadilhos, tipo
um beijinho aqui, uma mãozinha acolá, mas não namorou sério mais ninguém. Outra
de suas pequenas iniquidades era assistir alguns programas de TV que o pastor
abominava, tais como novelas e o “Big Brother”.
Mas a Zul tinha um
bom pretexto para si mesma A desculpa é que precisava se informar para ter
assunto no trabalho com os clientes do doutor. Fazia parte de suas funções
entreter os clientes enquanto aguardavam ser atendidos.
A verdade
verdadeira era que a Zuleide gostava muito das novelas e adorava o tal do “Big
Brother”. O término de cada edição era
como perder a família inteira. Nem o abandono do Genivaldo, “aquele canalha” doía
tanto.
Assistia ao
programa religiosamente desde a terceira edição. Esperava todo ano.
Secretamente,
era apaixonada pelo Pedro Bial, apesar de não compreender metade do que ele
falava. Durante o programa, torcia, irritava-se, sofria com os participantes e
muitas vezes telefonou para eliminar este ou aquele “falso e manipulador”.
Um dia, na
Igreja, o pastor fez uma comparação, dizendo que nossa vida era como no Big
Brother e que éramos vigiados pelas câmeras do Senhor cada segundo de nossas existências. Os anjos viam cada mau passo nosso, e seria eliminado (iria para o
inferno), aquele que não vivesse conforme os mandamentos de Deus.
Obviamente que
Zuleide não compreendeu a metáfora. Ingênua, levou a comparação ao pé da letra.
Agora entendera
porque Genivaldo havia sido eliminado. Os anjos tinham tirado aquele homem de
sua vida, pois ‘ele a seduzira sem escrúpulos e a abandonara’. E ela agora amargava
um paredão por ter cedido às tentações.
Tudo ficou
muito claro!
Sentiu-se
obrigada a provar aos anjos do Senhor que tinha se emendado e suplicar uma nova
chance para que não a eliminassem. Não queria ir para o inferno. Orou muito.
A partir desse
dia de ‘compreensão’, Zuleide começou realmente a jogar.
Queria ganhar o
‘milhão e meio’ que na certa era um bom casamento, um amor eterno. O Paraíso na
Terra.
Comparava Bial
com o pastor de sua igreja.
Será que ela
pensava que Deus era o Boninho?
Na verdade, a
mente de Zuleide não elaborava um raciocínio muito lógico sobre o assunto. Era
mais uma reação instintiva, uma espécie de “insight” que norteava suas ações.
Sabia que em
cada canto de sua casa, de seu trabalho, no ônibus, nas ruas, havia câmeras
observando. Invisíveis, claro, já que eram divinas.
Passou a pensar
muito antes de esboçar qualquer frase, com medo de magoar ou ser mal
interpretada pelo público, quer dizer, pelos anjos. Tornou-se mais comedida, mais
simpática, mais educada e sorria o tempo todo.
A mãe de Zuleide,
Dª Zulmira, filha da antiga faxineira da escola, Dª Cleide, percebeu que a
filha só se trocava no escuro, ou embaixo das cobertas, já acordava
praticamente maquiada. Parecia representando um personagem de princesa de Walt
Disney.
Dona Zulmira,
que era simples, mas contrário da filha, muito esperta, observava encafifada o
que estava acontecendo. Tentava arrancar alguma informação da criatura que pudesse
elucidar tais atitudes pudorentas. Só recebia de volta um sorriso enigmático e
carinhoso da menina dizendo que tudo estava bem.
Possessão! Só
pode ser isso, concluiu a mãe. A filha estava possuída por um demônio!
Se fosse o
caso, até que era um demônio por demais de bonzinho, já que a garota estava
muito melhor, se comportando bem, se cuidando, tratando bem ao próximo,
trabalhando direitinho e sem atrasos, indo à Igreja e não dava nenhum trabalho.
Uma belezinha de pessoa!
Astuta que era,
Dª Zulmira decidiu não comentar nada com o pastor da Igreja. Nada de exorcizar
esse anjinho de demônio. Assim estava tudo muito melhor.
Até Genivaldo,
quando reencontrou Zuleide se espantou com a aparência e atitudes da moça. Tentou
até se reaproximar, mas ela percebeu a ‘manobra da emissora’. Satanás queria
ibope e não seria ela quem daria...
Resumindo a
história, a Zuleide está atualmente saindo com um rapaz da Igreja, muito
respeitoso e trabalhador que está encantado com a doçura e a delicadeza da
moça.
Parece que a
estratégia está dando certo e Zul está conseguindo se manter no jogo e
prestes a ganhar seu milhão.
Plim plim.