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Imaginar!
Um passatempo que voltei a exercitar durante o crescimento de minha filha que hoje tem treze anos.
Na hora de dormir, quando a acompanhava para se deitar, ela tentava, por todas as formas, delongar nossas conversas e brincadeiras, tudo para evitar adormecer.
Aliás, faz isso até hoje.
Perguntas despropositadas, questionamentos acerca de qualquer assunto e eu, apesar de cansada, deixo-me engabelar um tantinho...
Faz parte da arte e manha de ser mãe.
Lembro-me de uma noite em especial quando ela tinha entre dez e onze anos, e me perguntou de supetão quais os "super poderes" que eu gostaria de ter.
- Só podem três, mãe! Estabeleceu autoritária. Ela adora inventar regras.
Tinha que responder rápido, pois com ela, tudo tem que ser rápido. Com a impetuosidade das crianças, me deixei levar por esse devaneio e disse que queria ter o poder de curar dores e doenças, o poder de me tele transportar, e finalmente, o mais legal de todos os super poderes: a invisibilidade!
Dando asas a imaginação, empolguei-me, entrando de vez na brincadeira e já aproveitei para enumerar mais alguns como “voar”, “respirar em baixo d'água”, “mudar de aparência”, “jamais engordar mesmo comendo muito” e...
- Não pode mãe! São só três! Retrucou
Ok! Está bem! Só esses três já está “louco de bom"...
Ah que maravilha a imaginação!
Tinha me esquecido como é gostoso dar asinhas a essa capacidade da mente humana em elaborar e simular situações em contraponto às nossas angústias reais e existenciais, independente de poder realizar.
Só o ato de imaginar é por si só fantasticamente prazeroso...
A menina já tinha seus três desejos na ponta da língua: ser elástica, para poder pegar as coisas sem ter que sair do lugar; voar (que gostaria também) e o último, que não entendi muito bem, que é poder ouvir a freqüência de energia de qualquer pessoa invisível ou alma (?), ela também não soube explicar. Estranhei esse último desejo, mas acho que tinha a ver com algum filme recém assistido.
Ela me perguntou por que eu gostaria me tele transportar e ser invisível. Brinquei que era para espioná-la na escola, com o que ela replicou: - Você não confia em mim mãe?
Conversamos mais um pouco, até que consegui desvencilhar-me de vários "eu te amo", "fica mais um pouquinho", "dá mais um abraço"...
Fui deitar-me sonolenta, dando “tratos à bola”...
O pensamente é mesmo um passarinho desnorteado. Voa sem rumo...
Comecei a analisar, quase sem querer os nossos desejos.
A primeira coisa que me veio à cabeça foi interpretar que minha filha talvez seja preguiçosa. “Elástica"? Alcançar e pegar coisas sem sair do lugar?
Que desperdício de desejo!
O desejo de voar é auto-explicável. Inato da natureza humana, mas ser elástica? Que bobagem! Ri-me sozinha.
Analisando então os meus, “curar dores e doenças” até que é altruísta e generoso, se desconsiderarmos que pensei muito mais nas pessoas da minha família e em mim mesma. Mas fiquei satisfeita comigo por ter pensado nisso, como se houvesse alguma possibilidade mágica entre o imaginário e a realização.
“Tele transportar-se” é um desejo antigo do ser humano. Nos episódios da série "Star Trek" no final da década de 60, os homens já davam mostras desse desejo. Seria sensacional, podermos nos transportar para qualquer lugar de forma instantânea, sem precisar percorrer uma distância física. Nem tempo e nem espaço. Visitar antigos e queridos amigos. Estar em qualquer parte do mundo, conhecer novos lugares...
Mas, querer ser invisível? Por quê?
Esse desejo me deixou intrigada. É uma daquelas coisas que a gente fala sem pensar, um ato falho. Um equívoco sintomático que tem profunda relação com a consciência e os desejos reprimidos do inconsciente.
Fehlleistung... Freud explica!
“Invisibilidade”! Aonde isso nos leva?
Ver sem ser visto.
Especulo se eu sou uma bisbilhoteira, uma espreitadeira que quer “xeretar” a vida das pessoas. E por quê? Pura curiosidade? Necessidade de poder?
Confesso que fiquei desapontada comigo ao constatar esse sentimento feinho e penso que as consequências seriam devastadoras para minha alma, caso tivesse esse poder que agora, pensando bem, não quero. É tão assustador quanto ser telepático e descobrir todo o mal, inerente aos pensamentos humanos.
Eu não quero conhecer o "ruim" que existe em ninguém porque não quero perder a esperança na humanidade e acredito realmente que todos têm o bem e o mal habitando dentro de si, travando um combate íntimo e contínuo - que ninguém mais precisa saber - até que um deles vença...
Poderoso mesmo é quem consegue dormir com um barulho desses...
7 comentários:
Crônica deliciosa, Rossana! :-) Ah, e delicioso também é rewdescobrir a imaginação.. E você sabia que invisível poderia fazer um montão, um montão de coisas boas também?:-)
Beijos, adorei!
Show, Rossana!
Show, querida!
Você é formidável, tanto na prosa quanto nos versos...
Bravo!
Beijos da
Zélia
Lindo, ROSS!
Saudades da minha caçula que fazia a mesma coisa e mais, me puxava e fazia-me deitar com ela. Eu dormia primeiro.
Excelente prosa de u'a mãe brilhante e amorosa.
Parabéns pelo dia do POETA
Beijos
Mirze
Aqui não temos o mistério do avesso do avesso do avesso que a poesia esconde...Temos a mãe atenta e sensível que se revela numa prosa irrepreensível, escorreita e deliciosa. Assim, juntando as duas, o retrato surge claro, luminoso... E o avesso do avesso do avesso um bosque ainda mais convidativo, irresistível.
Parabéns, Rossana!
Beijo terno.
É só procurarmos bem, ou nem tão bem assim, que com uma dose certe de sensibilidade podemos captar certas maravilhas da vida.
A imaginação é parte da maravilha de viver, não como instrumento de fuga, mas sim como forma de usar um dom divino.
Eu sempre quis voar. Por isso acho que eu já voei algum dia - nessa dimensão ou não, não importa.
Bjs, querida!
Rossana
Como é bom poder voar nas asas dos filhos... nos aproxima! A imaginação é mágica mesmo, feliz daquele que se deixa levar por ela!
Linda prosa,
Bjão
Não se puna tanto, minha cara, fazendo autoanálise por cima de seus desejos imediatistas quanto a poderes imagéticos advindos da imaginação coletiva! Eu já até sonhei em voar, mas conservo vários outros superpoderes em meu dia-a-dia! De vez em quando, quando estou bem fulo com tudo, por exemplo, ainda me vejo desabotoando a camisa e saindo voando rápido pela janela mais próxima - para salvar alguém em perigo? Nada, só pelo gostinho da fuga imediatista...
Certa feita li do mestre das HQs Alan Moore que, mesmo que tivéssemos poderes, o mundo continuaria um lugar ruim, poque não mudaríamos nossos egoísmos simplesmente por termos poderes... É algo a se pensar, não?
Linda crônica, mais ainda a relação superpoderosa que tens com tua filhona (hoje mais crescidinha, né?)! Também adorei o "momento fã" da crônica anterior!
Um abração, cronista em preto e branco e poetisa em Technicolor!
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