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Parti não muito animada para renovar minha Carteira de Habilitação no “Poupatempo”, e tenho que admitir que a reunião de vários serviços públicos num mesmo local, facilita muito a vida.
O posto de atendimento situa-se num ‘shopping’ pertinho da minha casa, e lá fui eu crente que estaria vazio, afinal era véspera de feriado.
Quanta ingenuidade!
O ‘shopping’ estava lotado, e mais cheio ainda estava o tal “Poupatempo”. Decerto que a cidade inteira precisava resolver suas pendengas administrativas justamente no mesmo dia que eu, e pelo menos dois terços estava lá para renovar a Carteira de Habilitação.
Resultado? Três horas de puro êxtase, que vou tentar resumir.
Primeiro peguei a lista de documentos que me entregaram no balcão de informações. Era confusa, exigia alguns procedimentos válidos somente para a “Filial Sé” na capital entre outros conflitos informativos.
Munida da documentação necessária (cópia e originais) entrei numa fila para pegar uma senha e de posse dessa sentei-me para esperar, orando para a Santa Paciência da qual sou grande devota. Entretanto, em menos de cinco minutos já fui convocada a entregar a documentação.
Gente! Que coisa boa (Pensei feliz).
– Aperte o painel conforme avalia os nossos serviços, solicitou a mocinha do balcão. Entre as opções “ótimo”, “bom”, “regular” e “ruim”. Ótimo, é claro! Tudo eficientemente rápido...
Recolhida a papelada, fui orientada a aguardar para tirar foto. Chamariam pela mesma senha. Sentei-me, já um tanto arrependida pela avaliação precipitada. Restava esperar, e prestar atenção ao painel.
Nessas horas nossos olhos começam a passear e observar as pessoas presentes no local e acabam vendo coisas que poderíamos viver sem, como por exemplo, a moça a minha frente espremendo uma espinha da pessoa ao lado dela. Desviei os olhos, enjoada. Menos repugnante olhar só os painéis eletrônicos.!
Algumas dezenas de minutos e finalmente lá estava ele (o meu número), piscando no painel acompanhado de uma campainha estridente e irritante. Corri para o retrato!
Logo que sentei ouvi a advertência:
- Não mexa no banco.
Óbvio que já era tarde! Eu já tinha movido o dito que fica numa posição extremamente desconfortável e é claro que todo mundo fazia a mesma coisa, pela cara irritada da atendente.
- Desculpe. Eu não sabia...
Nem respondeu.
Tentei ser simpática e engraçada. Acho que queria ser amada pela mocinha antipática do balcão. Tem momentos que a gente tem umas carências estranhas...
Pois é aí que as coisas ficam piores. Minhas digitais não queriam colaborar e tive que apertar aquela maquininha umas três vezes para cada dedo e a atendente só não me agrediu porque a culpa não era minha, mas da tal leitora excessivamente sensível.
Mas ela não deixou barato: - Não aperte tanto os dedos, moça!
O engraçado é que ela é que estava apertando meus dedos contra o visor de leitura da máquina. Quase quebra. Dedos e máquina! Fulaninha mal-humorada! Não tenho culpa se ela estava trabalhando no feriadão. Eu também já estaria em casa, se ela fosse mais rápida.
Na hora de bater a foto, mais repetições. Tenho certeza que ela escolheu a pior para juntar ao meu documento por pura ruindade! Ela não foi com a minha cara, a azeda.
A próxima parada era a fila do banco. Mais uns vinte minutos até ser atendida e pagar as taxas.
Mas espere! Ainda não acabou.
Hora de voltar para a primeira fila, lembram? Aquela da primeira senha, quando eu cheguei.
Lá me foi dada outra senha para fazer o exame médico. Nesse momento, dentro de mim a Santa Paciência estapeava a Santa Inocência na cara!
Ao voltar (de novo) aos painéis, percebi que tinham cerca de 30 pessoas na minha frente, e apenas três médicos oftalmologistas fazendo exame. A coisa estava difícil.
Entendi porque só temos acesso ao painel de avaliação na primeira fila.
Não adianta se irritar. Sentar e esperar são as únicas alternativas.
Ainda bem que espremedora de espinhas alheia já tinha se retirado, mas um molequinho do meu lado (com seus três ou quatro anos) pulava no banco e cantava feliz demais para meu estado de espírito.
Minha metade boa ponderou que era legal ver uma criancinha alegre e rumorosa, enquanto a minha metade malvadinha queria enforcar a cria alheia. Comecei a discutir comigo mesma em pensamento.
- Isso lá é lugar de trazer criança?
- Quer que a mãe faça o quê? Deixe a criança sozinha em casa?
- Quero que ela amordace esse moleque, pois não sou obrigada a ficar ouvindo “A canoa virou” até virar todo o líquido do meu labirinto!
- Olhe a sua volta, ninguém está se incomodando com a criança. Só você.
- Vai ver que é porque todo mundo é surdo.
- Ou porque gostam de crianças...
Quietas! As duas!
Nesse ponto, resolvi me levantar. Era muita discussão interna somada ao som da campainha de cinco painéis eletrônicos mais uma criança cantora.
Resolvi dar uma escapada antes de enlouquecer e dirigi-me para uma livraria ao lado.
Súbito desejo de comprar um livro de poesias de Manoel de Barros. Eu não tenho nenhum, vocês acreditam?
Continuei não tendo, pois na livraria não havia unzinho sequer. Nas prateleiras de títulos brasileiros, literalmente caiu-me aos pés um livro do Rubem Alves que ainda não tinha: “Ostra feliz não faz pérolas”. Adorei o título, comprei e voltei ao meu calvário.
Sentei-me novamente e abri meu livro novo, agora muito mais feliz. Adoro cheiro de livro novinho!
Nem percebi o tempo passar, de tão gostoso que é ler Rubem Alves. Devia ter comprado o livro antes de começar essa “via crucis”.
Não me zanguei nem quando o oftalmologista disse que eu representava um perigo para o trânsito e a partir daquele momento decretou que eu só poderia dirigir de óculos.
Fazer o quê?